Em Pouso Alegre, Klabin S.A., fabricante de celulose terá de pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos

No período de cinco anos, a Klabin recebeu mais de 1.600 autuações por transporte de carga com excesso de peso
com repercussões em trecho mineiro da BR-381

O Ministério Público Federal (MPF) em Pouso Alegre obteve a condenação da empresa Klabin S.A., uma das maiores produtoras e exportadoras de papel do país, ao pagamento de quantia no valor de um milhão de reais a título de indenização por danos morais causados à coletividade em razão do transporte de carga com excesso de peso.

A sentença foi proferida em ação proposta pelo MPF, tendo em vista que a empresa recebeu, entre os anos de 2015 e 2020, 1.503 autuações pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), 12 autuações pelo extinto Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) e 97 multas aplicadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), somando mais de 1.600 ocasiões em que seus caminhões foram flagrados transportando carga com peso acima do que é permitido pela legislação, com repercussões em trecho da BR-381 que passa pelo município de São Sebastião da Bela Vista, no sul de Minas Gerais.

Para o Ministério Público Federal, tal conduta, além de evidente infração a normas de trânsito, potencialmente é causa de prejuízos materiais aos cofres públicos, já que reduz drasticamente a durabilidade do asfalto. Para se ter ideia do impacto sobre o pavimento das estradas, estudo do Dnit demonstrou que um acréscimo de apenas 20% no peso do veículo acaba duplicando o efeito da carga nas pistas. Além disso, a situação também coloca em risco os demais usuários das estradas, pois um peso maior do que o indicado piora as condições de trafegabilidade dos veículos, afetando vários de seus componentes, como eixos, suspensão, molas, freios e os próprios pneus, o que aumenta a probabilidade de acidentes, já que tais elementos não foram projetados para suportar os esforços adicionais gerados pelo excesso de peso.

A ação ainda apontou que essa prática, adotada reiteradamente pela ré, como demonstram as inúmeras autuações, constitui violação à ordem econômica, pela concorrência desleal com empresários que respeitam a lei, já que o excesso de carga aumenta os lucros, na medida em que se transporta maior quantidade de mercadoria em menor número de viagens.

Recorde sul-americano

O Juízo Federal de Pouso Alegre (MG) concordou com as alegações do MPF e considerou que a Klabin violou não somente as normas de trânsito, no que é passível de repressão pelas autoridades administrativas no exercício do poder de polícia, como normas do Direito Civil que dizem respeito à coletividade, entre elas, o direito de todo cidadão a um trânsito seguro, para salvaguarda da sua vida e integridade física. Citando precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a sentença lembrou que o Brasil é um dos recordistas de acidentes de trânsito em todo o mundo, apresentando altíssimo índice de mortes nas rodovias.

“Dados da Organização Mundial de Saúde colocam-nos como quarto País, nas Américas, em que mais se mata em acidentes de trânsito; e como campeão de mortes, em proporção ao número de habitantes, na América do Sul. (…) Estima-se que aproximadamente 43% dos acidentes nas estradas federais terminem com mortos ou feridos, totalizando um óbito para cada dez quilômetros de rodovia, e 234 para cada milhão de habitantes”, registra a decisão judicial, para concluir “ser inadmissível ao Poder Judiciário, defrontado com infrações cotidianas, repetitivas e por vezes confessadas contra o direito de todos, permanecer indiferente ou se omitir quando provocado a agir”.

Conta e risco

O Juízo Federal analisou e rechaçou todas as inúmeras alegações feitas pela defesa, entre elas críticas à atuação dos órgãos fiscalizadores, questionamentos quanto ao procedimento adotado para a pesagem dos veículos, o fato de a maioria das suas autuações ter sido do tipo excesso de peso por eixo, e, até, a afirmativa de que a tara (peso do veículo sem carga) registrada na carroceria das carretas e caminhões não corresponde ao peso real, pois os transportadores fazem inúmeras alterações após adquiri-los.

Para o magistrado, qualquer “mudança nas características originais do veículo é feita por conta e risco do proprietário, já que a manutenção dos dados cadastrais do caminhão nos bancos do órgão de trânsito é medida de interesse público e as informações lá constantes devem corresponder ao que o veículo efetivamente apresenta”.

A sentença lembra que a fiscalização inclusive considera, na pesagem e estabelecimentos dos limites aceitáveis, margens de erro que servem para abranger inter-ocorrências e fatores exógenos, como frenagens, lombadas e vias esburacadas, que possam deslocar a carga e interferir, por exemplo, fazendo com que se acumule peso em um dos eixos: “Esta argumentação, entretanto, não deve servir para afastar a responsabilidade do transportador, quando flagrado com excesso de carga, já que se autuado com peso acima do permitido de forma discreta, sua conduta não será censurada. (…) A autuação não é matemática, mas leva em conta todas as circunstâncias levantadas pela requerida que podem alterar o peso dos caminhões. Uma carga flagrada com peso acima do permitido, com a consideração das margens legais, é, sem sombra de dúvida, uma carga com massa imprópria para transitar na rodovia”.

“Compensa descumprir a lei”

Ressaltando que as multas aplicadas pelas autoridades administrativas são totalmente independentes da multa civil imposta como sanção judicial, a sentença explica que “a multa administrativa, como pena, destina-se a castigar fatos ilícitos pretéritos, enquanto a multa civil imposta pelo magistrado projeta-se, em um de seus matizes, para o futuro, de modo a assegurar a coercitividade e o cumprimento de obrigações de fazer e de não fazer (mas também de dar), legal ou judicialmente estabelecidas”.

Ao citar novamente jurisprudência do STJ, o Juízo explica que, na prática, o caso em julgamento revela uma situação de “desproporcionalidade entre a sanção imposta e o benefício usufruído”, pois “a empresa tolera a multa” administrativa, na medida em que “a infração vale a pena” (Ministro Og Fernandes), passando a nefasta ideia de que “compensa descumprir a lei e pagar um pouquinho mais” (Ministro Francisco Falcão).

Nesse contexto é que se percebe configurado o dano moral, na medida em que as multas impostas pelos órgãos de fiscalização constituem “sanção que, de tão irrisória, passa a fazer parte do custo normal do negócio, transformando a ilegalidade em prática rotineira e hábito empresarial em vez de desvio extravagante a disparar opróbio individual e reprovação social”, afirma a sentença.

Assim, considerando a ação agressora da Klabin, “qual seja a deterioração das rodovias e, em especial, em razão da colocação em risco dos usuários da estrada onde foram detectadas indubitavelmente infrações de trânsito, justifica-se o arbitramento do dano moral coletivo no valor de um milhão de reais.

Embargos

O Ministério Público Federal recorreu da sentença, por meio do recurso denominado embargos de declaração, para que o Juízo analise também o pedido de condenação da ré à obrigação de não fazer, consistente em se abster de promover a saída ou de fazer transitar mercadorias e/ou veículos de carga com excesso de peso de seu estabelecimento empresarial, ou de estabelecimentos contratados, sob pena de multa de 20 mil reais por veículo assim identificado.

Esse pedido não foi originariamente analisado pelo magistrado e os embargos destinam-se a possibilitar que o Juízo reforme a própria sentença, para incluir sua apreciação.

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Com informações da Ascom/MPF. Foto ilustrativa: Freepik