Fora da Lei! Camara de Pouso Alegre tenta implantar “compliance” às avessas
Uma Câmara Municipal que sequer permite examinar supostas denúncias do Executivo ou de sua própria equipe, tenta implantar um projeto de “compliance” criando novas regras para prevenir possíveis atos de corrupção interna sem, no entanto, cumprir as mais básicas leis de ética e conduta.
A primeira falha observada é que a portaria nº 137/2021 decidindo a criação da Comissão Permanente de Contratação (CPC), regulamentando suas competências e funcionamento no âmbito da Câmara Municipal de Pouso Alegre, inclusive com nomeação dos futuros responsáveis pelos trabalhos, foi assinado pelo presidente da Câmara de Pouso Alegre, vereador Bruno Dias, no dia 14 de dezembro de 2021, quando, durante a sessão ordinária da Câmara, foi lida a comunicação que o vereador não estaria presente devido recomendação médica. O vereador Bruno Dias sofreu trombose cerebral na sexta-feira, 10, e foi hospitalizado por três dias.
No entanto, o Projeto de Resolução nº 1351/2021 – apresentado na undécima hora de participação de parte dos vereadores na Mesa Diretora que agora estarão sem a caneta na mão – seria votado durante a sessão para implantar na Câmara o compliance mas foi retirado de pauta, muito possivelmente, a pedido de quem não estava na sessão.
Outra falha na portaria nº 137/2021 emitida pelo presidente Bruno Dias nomeando uma comissão que não passou pela discussão obrigatória. O art. 54, inciso V, alínea l do Regimento Interno da Câmara de Pouso Alegre mostra que é atribuição do Plenário “a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito e Comissão Representativa da Câmara”. O art. 57, e 58 são claros: Art. 57. “As comissões, órgãos internos destinados a estudar, investigar e apresentar conclusões ou sugestões sobre as matérias submetidas à sua apreciação, são permanentes ou temporárias”. Art. 58. “Na constituição de cada comissão será assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da Câmara Municipal”.
Sem contar que na própria Lei Orgânica de Pouso Alegre, o art. 40 dispõe sobre a competência privativa da Câmara Municipal, em seu inciso III “dispor sobre a criação, transformação ou extinção de cargo e função pública de seus serviços e fixação da respectiva remuneração, respeitado o regime jurídico único dos servidores municipais e os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentarias”, com um adendo no § 1º: “A competência de que trata o inciso III será, entre outras, exercida com base em projeto de resolução, submetido, pela Mesa Diretora, ao Plenário”. Portanto, a portaria assinada pelo presidente Bruno Dias com nomeação de 7 membros titulares: André Albuquerque Oliveira — Coordenador; Anderson Mauro da Silva — Vice-Coordenador; Eleusis Paulo Raddichi Filho — Membro da Equipe de Apoio; Luiz Guilherme Ribeiro da Cruz – Membro da Equipe de Apoio; Lucas Bortolozo – Membro da Equipe de Apoio; Priscila Chaves Mendes – Membro da Equipe de Apoio; Renato dos Santos Vieira – Membro da Equipe de Apoio, seguindo o Regimento Interno e Lei Orgância, não tem validade por não ter sido submetido ao plenário.
Segundo as informações que obtivemos ao consultar o Portal da Transparência da Câmara, três dos membros da equipe de apoio são também comissionados de gabinetes, ou seja, não prestaram concurso público e podem ser demitidos a qualquer momento por seus chefes. Curiosamente, seus chefes são, até a posse da nova Mesa Diretora eleita, os vereadores Bruno Dias, Ely da Auto Peças e o corregedor Oliveira Altair que não fazem parte da nova Mesa Diretora. Esses três servidores recebem, além da função gratificada em assessoria de gabinete, também em outra função gratificada como membro da Comissão Permanente de Licitação. No entanto, um dos membros, Priscila Chaves Mendes, do gabinete do vereador Ely não consta nomeação em nenhuma portaria como membro da equipe de apoio, mas recebe também o adicional, desde mês de outubro, como os outros membros, no valor de R$ 1.322,67. A nomeada através da portaria 57/2021 para a função é Evelyn de Sousa Faria, servidora efetiva da Prefeitura de Pouso Alegre cedida à Câmara Municipal na gestão de Leandro Morais, continua a receber a gratificação por participar da CPL.
Tais ações, sem o conhecimento dos outros vereadores, faz transparecer que tudo poderia estar supostamente combinado entre alguns vereadores da Mesa Diretora que são os chefes dos cargos de livre nomeação sem concurso público. Renato dos Santos Vieira, do gabinete do presidente vereador Bruno Dias; Lucas Expedito Bertolozo, do gabinete do vereador Oliveira que é o Corregedor da Câmara e Priscila Chaves Mendes, do gabinete do vereador Ely da Auto Peças foram os escolhidos – sem que a mesma oportunidade de escolha fosse dada aos outros vereadores – para cursos em Belo Horizonte sobre o tema, possivelmente prevendo a implantação desta resolução de compliance. Os dados do Portal Transparencia mostram que os cursos, assim como recursos para alimentação, viagem e diárias foram pagos pela Câmara Municipal com liberação de verbas assinada pelo presidente Bruno Dias.
Outras duas portarias que causaram estranheza foram as portarias de nº 95/2021 e 96/2021 assinadas em 9 de junho de 2021, pelo presidente vereador Bruno Dias concedendo progressão funcional horizontal ao servidor concursado Anderson Mauro da Silva. A primeira, a partir de outubro de 2020 e a segunda a partir de abril de 2021. A estranheza é que o servidor está cedido pela Câmara, desde 2019, ao IPREM, fazendo parte da folha de pagamento do Instituto, conforme consta em seu Portal da Transparência, retornando apenas em dezembro, segundo informações, ao seu posto na Câmara Municipal. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, a questão da progressão funcional do servidor efetivo em questão, desde que exercendo suas funções mesmo cedido a outro órgão é válida, de modo que a progressão continuaria ocorrendo, entretanto, o ônus é para o órgão onde está exercendo suas funções. Há que se ressaltar que a “estranheza” está na data. Apesar da data ser a mesma, cada uma está a partir de um determinado período, o correto seria cada uma ocorrer a seu tempo.
Compliance
Geralmente utilizada em inglês, a palavra “compliance” aparece traduzida como “política de integridade e de conformidade” e passa a incluir medidas preventivas, como o treinamento de funcionários, adoção de procedimentos impessoais e realização frequente de auditorias com a implantação das políticas de integridade e conformidade em nove etapas: identificação dos riscos; definição dos requisitos, como medidas de mitigação dos riscos identificados; matriz de responsabilidade e estruturação do plano de integridade; desenho e implementação dos processos e procedimentos de controle interno; geração de evidências e elaboração do Código de Ética e Conduta; comunicação e treinamento; canal de denúncias; auditoria e monitoramento; por fim, ajustes e retestes. Cada uma dessas etapas deveriam estar detalhadas no projeto de lei que o vereador Bruno Dias insiste em aprovar. A norma é sempre de acordo com a Lei Orgânica de Pouso Alegre ou com o Regimento Interno o que, no momento, o projeto está deixando a desejar. Para que o compliance seja aprovado do jeito que foi apresentado seria necessário que vários artigos dessas leis fossem sumariamente revogados. O que, convenhamos, não combina com uma lei que quer atrair uma política de integridade.
Aplicado de forma correta, o objetivo do compliance no setor público passaria a ser o de ampliar e criar uma cultura da denúncia das irregularidades e o consequente controle da corrupção. Perceba que diferente do setor privado, na gestão pública o compliance tem como foco o controle de desvio de recursos públicos, banimento de privilégios nas relações público-privadas, diminuição de escândalos envolvendo gestores, dentre outros. A própria gestão pública tem como obrigação o respeito e a obediência às leis e aos procedimentos legais, sendo considerado ilícito qualquer ato que fuja dos limites impostos.
Logo, para que sejam implementados procedimentos concretos de compliance na administração pública, é preciso, além de um ato regulatório e punitivo das ações ilegais das empresas na relação público-privada, normas que disponham sobre esse procedimento no setor público acrescentando aos projetos a punição com mais rigor de quem se aproveita de situações e vantagem para praticar atos contra a administração pública. E isso, com toda a certeza, só poderá ser criado com servidores concursados, efetivos, que não sofrerão sanções, coerção ou persecução por suas apresentações.
Vale lembrar que nenhuma suposta promessa de efetivação de servidor comissionado, sem concurso, de livre nomeação, pode passar a ter um cargo efetivo apenas por participar de uma Comissão. A Constitução Federal é clara ao mencionar que investidura em cargo ou emprego público vitalício depende da aprovação prévia em concurso publico de provas ou de provas e títulos. Não confunda, para a aprovação prévia de provas e títulos é também necessário concurso público.
A nova Mesa Diretora da Câmara, que ainda não foi empossada, composta pelos vereadores: presidente Reverendo Dionísio, vice presidente Odair Quincote, secretário Arlindo da Motta Paes, 2º vice presidente Miguel Junior Tomatinho e 2º secretário Dionício do Pantano, poderão eventualmente serem responsabilizados pelos órgãos fiscalizadores externos como o Tribunal de Contas do Estado, por exemplo, por compactuar com uma série de medidas que infringem até mesmo a Constituição Estadual e Federal.
De acordo com informações dos bastidores da política municipal, o Executivo pretende seguir as mesmas diretrizes e implantar a mesma compliance em suas repartições. A dúvida que se instalou em todos os segmentos da politica paroquial de Pouso Alegre é se a nova Mesa Diretora compactuará com as ilegalidades e a possibilidade de intimidação dos vereadores e servidores contrários a algum tipo de ilegalidade. Ilegalidades como, apenas como exemplo, manutenção de empresas a custos altíssimos, ou, pior, incrementação da intimidação ou da imposição de outras passíveis famigeradas ilicitudes aos seus integrantes ou, por suposição, a famosa “rachadinha” aos seus integrantes.